Economia pesou no apoio de imigrantes valadarenses à eleição de Donald Trump, nos EUA
07/11/2024
Candidato republicano, venceu em 28 estados, conquistando 292 dos 270 delegados de que precisava para chegar à presidência. Kamala Harris e Donald Trump
BBC
U
Não é de hoje que Governador Valadares tem uma relação com os Estados Unidos. A imigração para o país norte-americano começou ainda na década de 1960. Quase 70 anos desse movimento de vaivém da população renderam à cidade a fama de "exportadora" de pessoas em busca do sonho americano.
Com tantos "filhos" espalhados nos EUA, não é de se assustar que as eleições naquele país sejam assunto em Valadares. Donald Trump e Kamala Harris tiveram outdoors de apoio espalhados pela cidade, expondo a preferência de alguns moradores da maior cidade do Leste de Minas.
Outdoor de Kamala e Trump em Governador Valadares
Inter TV dos Vales
Pós-corrida, veio o resultado: Trump venceu em 28 estados, conquistando 292 delegados. Kamala venceu em 19 e conquistou 224 delegados. Para ser eleito, era preciso conseguir 270 delegados.
Um dos 28 estados onde Trump venceu é a Flórida, com aproximadamente 300 mil imigrantes brasileiros. E é lá que mora o valadarense Fábio Rodrigo Rena, na cidade de Boynton Beach. Nos EUA desde 1998, o imigrante já tem documentos e é um cidadão americano, o que lhe deu o direito de votar para presidente neste ano.
O voto no republicano veio principalmente pelo quesito economia. Fábio, que hoje é comerciante, diz que na época em que Trump foi presidente a inflação era menor, os preços também e o dólar era mais valorizado.
"Eu, como na eleição de oito anos atrás, votei em Donald Trump. Fiquei muito encantado, gratificado com a proporção da economia americana do que ele conseguiu resgatar e levantar e também com todas as guerras que estavam envolvidas na época. Ele conseguiu resgatar, tirar um pouco das nossas tropas americanas dos países inimigos. Falando sobre economia, eu acho que ele é um presidente que faz muitas coisas boas para o país", explicou Fábio.
🔔 Clique aqui para seguir o canal do g1 Vales no WhatsApp
"Ele tem algumas formas meio radicais com relação à imigração, a fechar as portas de certos casos, certas anistias com outros países. Mas eu vejo Trump, agora eleito, com um potencial muito grande de reescrever a economia americana".
Kamala discursa após derrota
Saul Loeb/AFP
Kamala venceu em Massachusetts, estado que tem a segunda maior comunidade de brasileiros, aproximadamente 420 mil. A democrata conquistou os 11 delegados na corrida presidencial dos Estados Unidos.
Este foi o destino da viagem para visitar parentes do jornalista valadarense Fábio Monteiro. Ele estava no Brasil na maior parte da corrida presidencial, e foi para Malden, região de Boston, no dia 29 de outubro. Ele acompanhou de perto os dias que antecederam a votação e pós, com vitória de Trump.
O jornalista contou que, no dia da votação, viu eleitores de Kamala com cartazes e camisetas. Viu também materiais de campanha da democrata, além de bandeiras e adesivos de Trump e da vice-presidente, pelas casas. Ele disse que não percebeu manifestações políticas mais efusivas de imigrantes na região onde está.
"Não vi muita movimentação entre os brasileiros que eu conheço. Até porque, são muitos ilegais, e ilegal não vota. Acho que acaba que essa movimentação de brasileiros fica mais em rede social. E essa questão de escolha entre Trump e Kamala, de brasileiro que não vota ou brasileiro que está no Brasil, tem muito da mania que tomou conta das redes sociais, de todo mundo sentir a necessidade de opinar e se posicionar sobre tudo, mesmo que não domine o assunto. Algumas pessoas se apegam a uma parte do discurso que é o foco do candidato e não se atentam ao programa de governo como um todo", disse Fábio
Imigrantes em Massachusetts
Malden, Massachusets, Estados Unidos
Fábio Monteiro
Morador de Massachusetts há 17 anos, o capixaba Raphael Borges, de 40 anos, morou em Valadares, onde se casou e se mudou com a esposa para a região de Boston. Hoje, com o Green Card, é residente permanente nos EUA, mas ainda não possui cidadania e por isso não vota. Ele acredita que a população foi a favor de Trump por pontos negativos do governo Biden, que acabaram pesando contra a democrata.
"Minha opinião, como imigrante, é que a população foi a favor do Trump por falta de um candidato melhor." Porque Kamala infelizmente pagou o preço, como vice-presidente, de todos os erros e os descasos da administração atual de Joe Biden na economia, imigração, etc. Hoje, a maior reclamação dos americanos é a economia. Tudo está muito caro, praticamente o dobro do que há 4 anos. E a insegurança nas fronteiras, os narcos usando dessa fragilidade nas fronteiras... então, como aqui eles são muito patriotas, compraram o discurso dele. Que ele vai devolver a dignidade de todos em todas as áreas, mas principalmente na questão imigratória", explicou Raphael.
Sobre a deportação em massa, o project manager, o que no Brasil equivale a um gerente de projetos, disse que há um certo receio dos imigrantes.
"Estamos todos com um certo receio com isso porque agora eles (republicanos) são maioria na câmara e no senado, mas acho que não vai ter essa deportação em massa como ele diz", finalizou.
Donald Trump em discurso após a eleição de 2024.
Jim WATSON / AFP
Eleitora com voto declarado em Donald Trump, a valadarense Sory DeOliveira, de 46 anos, foi para os EUA em 1998 e se tornou cidadã americana em 2004. Hoje, trabalha como corretora de imóveis e mora em Stoneham, Massachusetts. Ela diz que a economia foi o fator decisivo para a vitória do ex-presidente.
"Para a economia do país, votar no Trump foi a melhor opção. Depois da vitória, a bolsa de valores "explodiu". Meu telefone estava "louco", eu tinha dois clientes querendo comprar casas e agora, as pessoas que não tinham condição têm porque os juros abaixam. Para a economia, isso é muito bom", disse Sory.
Placa de apoio a Donald Trump em Malden, Massachusets
Fábio Monteiro
Sobre a deportação em massa, a corretora compartilhou o sentimento de descrença dos conterrâneos. Ela não acredita que vai acontecer.
"Ele prometeu isso também da última vez." Não depende só dele para deportar. Ele é contra os imigrantes. Trump foi casado quatro vezes. Três das quatro mulheres dele são de outro país. A Melânia é de outro país. Então, deportação em massa vai ser muito difícil", explicou a brasileira.
Eleição americana: por que ganhou visibilidade em Governador Valadares?
O interesse em Governador Valadares pela eleição tem a ver, segundo a pesquisadora em migração e professora da Univale Sueli Siqueira, com o movimento migratório da cidade.
Nós temos que compreender esse interesse a partir de uma história da migração na região. São mais de 60 anos de fluxo migratório, é muito tempo. Uma história é uma história que a cidade tem em relação a esse movimento de brasileiros, valadarenses, quando eu falo valadarenses, eu estou falando da região geográfica intermediária de Governador Valadares, que são mais de 50 cidades", explicou Sueli.
Famílias transnacionais
"Um outro ponto importante que a gente não pode esquecer quando pensa nesse movimento migratório e nesse interesse pelas eleições americanas é a presença na nossa região das famílias transnacionais, que são essas famílias, às vezes até a família nuclear, parte vive aqui no Brasil, nessa região e parte vive nos EUA. Então, alguns que são documentados podem fazer o movimento de ir e vir e outros não. Essa presença das famílias transnacionais leva a esse interesse por quem ganha, qual a interferência desse novo presidente na vida dos imigrantes que vivem lá e indiretamente dos parentes que vivem aqui.
"Um outro ponto que explica esse interesse é a existência de uma comunidade étnica brasileira em algumas regiões dos Estados Unidos, com a presença de igrejas, comércio, associações, rádio. "O que acontece lá se relaciona com o que acontece aqui", detalhou Sueli.
Cai-cai e outros
Uma outra questão apontada pela pesquisadora são os mecanismos de entrada no país norte-americano, como por exemplo o cai-cai.
"Um outro aspecto que a gente pode considerar, que é muito importante em relação a esse interesse, são esses mecanismos ilegais, outros não, para atravessar a fronteira ou para chegar até os EUA, como por exemplo o cai-cai. Então, esses mecanismos vão surgindo e, ao longo desses 60 anos, eles foram mudando. Há um interesse grande porque, dependendo da política migratória americana, isso fica mais complexo. Então, tudo isso nos permite compreender por que existem esses outdoors, essas pessoas preocupadas em demonstrar a sua opção em termos de escolha do presidente dos Estados Unidos. A chegada de novos imigrantes é um ponto para a pesquisadora que influencia na escolha de Trump", detalhou.
O apoio a Kamala, segundo a visão de Sueli, tem relação com o discurso mais leve e respeitoso da democrata em relação ao imigrante.
"Você tem aqueles que colocaram aqui na cidade outdoors mostrando esse apoio à democrata Kamala porque eles entendem e percebem esse discurso. Principalmente os que aqui vivem têm receio do que pode acontecer com os familiares que vivem lá".
Placa de apoio a Trump em Malden
Fábio Monteiro
Trump e os legalizados
"Aqueles que apoiam Trump, é interessante perceber, pelo menos nos dados que a gente fez de um estudo exploratório, que geralmente eles são documentados e nesse sentido eles têm receio de que mais migrantes que cheguem lá retirem deles esse status que eles lutaram e conseguiram. Então, os que já estão estabelecidos têm um pouco de receio com a chegada desses novos que podem desestabilizar o status que eles conquistaram", finalizou.
Vídeos do Leste e Nordeste de MG
Veja mais notícias da região em g1 Vales de Minas Gerais.